segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Algo sobre como as coisas ficam insanas no natal
domingo, 4 de novembro de 2012
Clichês efêmeros
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Às 5 da manhã
às 5 da manhã
talvez um tijolo ou
uma garrafa vazia,
um estalo no cranio e
avencas brotando pelas orelhas
em meio ao calor.
acomodo-me no sofá
ao mesmo tempo em que alguém tenta vender
modernos utensílios
dentro da minha TV muda
igual um tumulo formado por luzes
percorro os canais
e lá estão mais utensílios
ou previsões do tempo e
telejornais carregados de "bom dia"
prestes a começar
o mundo nunca parece tão feito
de televisores e coisas batendo
em cabeças como é
às 5 da manhã
enquanto o tempo faz questão de morrer
sem passar.
um murro num velho filme de ação bate
o uísque barato
canções desconhecidas batem
e o resto descansa
numa especie de sono
interminável
e estou tão acordado
quanto jamais estive
desligo a TV.
vou até o banheiro
jogo água no rosto e
encaro o espelho, não há nada a fazer.
caminho para o quarto
não acendo a luz
ligo o ventilador.
atiro-me na cama e faço um casulo com o lençol.
mantenho os olhos fechados.
as janelas batem,
e as portas
e os pássaros
e sol
você também bate em minha cabeça
com toda a força que o silêncio pode ter
às 5 da manhã.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Alissa não precisava morrer
domingo, 12 de agosto de 2012
Um poema áspero
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Um mergulho no breu
é provável que esse seja o motivo
desinteresses.
procuro apreciar Londres cinza e chuvosa,
bonita como tem de ser,
também as modalidades e suas disputas com toda a força
que isso possa significar, e a beleza,
especialmente das garotas da ginástica artística com suas séries
e movimentos quase mágicos.
a última sentença
quinta-feira, 26 de julho de 2012
Porque quatro dias é demais
sexta-feira, 13 de julho de 2012
Epílogo
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Dia de limpeza
- Ei, Toni. Qual o problema?
- O homem está subindo.
- Quem?
- Sr. Marcone.
- Mas hoje não é terça?
- Mas ele está subindo.
- Oh merda. - Oscar desligou
Tentava esconder o cinzeiro quando a porta se abriu. O barulho dos paços do Sr. Marcone fazia parecer que ele estava calçando uma espécie de tamanco plataforma, porém continuava baixo como uma criança de doze anos. A sala fedia a cigarro, Oscar pousou o cinzeiro na mesa e foi abrir a janela.
- Deixe estar - disse o Sr. Marcone.
- Aconteceu alguma coisa? Hoje é terça...
- A política da empresa proíbe fumar no horário de serviço, independe do dia da semana... Mas não é por isso que estou aqui.
- Algum problema?
- Qual a sua relação com Bernadete, a recepcionista?
- Bem, às vezes almoçamos juntos.
- Só isso?
- Sim.
- Ela me disse que um dia você foi até a casa dela...
- Fui, mas ela me pediu para ajudar a carregar um fogão da casa da mãe até lá. E como tenho uma picape...
- Você sabe que não são tolerados relacionamentos amorosos entre os funcionários, não é?
- Não há relacionamento, sou casado, lembra Sr. Marcone?
- Bernadete me disse que você lança olhares estranhos para ela a todo o momento.
- O que? Isso é um absurdo!
- É melhor começar a juntar suas coisas, Oscar.
- Mas eu trabalho aqui há quinze anos. QUINZE ANOS!
- A política da empresa é muito clara...
- MAS ISSO É UM ABSURDO!
- Olha, se quiser posso fazer boas recomendações de você e logo arrumará outro emprego, agora por favor, seja o bom profissional que todos sabemos que você é, junte suas coisas e saia daqui sem dar uma palavra com Bernadete.
Oscar passou pela recepção carregando suas coisas, encarou Bernadete com o canto dos olhos. Tinha vontade de pular naquele corpo magro, branco e sardento e enche-lo de pancada, mas permaneceu calado e em linha reta em direção a porta, precisava de uma maldita recomendação. Cruzou o estacionamento até sua picape, o citroën do chefe estava parado logo ao lado. Entrou no carro, acomodou as coisas no banco do passageiro. Toni ligou.
- Ei, cara. Sinto muito.
- Oh, tudo bem. Marcamos de beber algo qualquer dia, Toni. Eu esqueci umas coisas no meu armário, você pode guardá-las para mim?
- Não vai ser possível, eles foram rápidos e já fizeram uma limpeza na sua sala, jogaram fora tudo o que você deixou. Eu estou arrumando minhas coisas agora.
- Puta que pariu. Mas como assim arrumando suas coisas? Foi demitido também?
- Deixe-me contar a novidade. Fui promovido! Agora ocupo o seu lugar. Isso não é legal? Tenho que desligar, eu te ligo mais tarde para tomarmos algo e falarmos sobre isso.
- Olha, Toni, vai se foder. Vai tomar no olho do seu cu! FILHO DA PUTA!
Desligou e arrancou com o carro e destruiu o retrovisor direito do citroën. Estava possesso; pro diabo com a política da empresa. Quinze anos enterrados na merda, servindo de fantoche e para quê? Aguentar ingratidão atrás de ingratidão. Era isso que pensava Oscar, a gente vem ao mundo para servir de boneco e o nome que dão pra essa coisa toda é política. Ele não sabia a quem queriam enganar, mas estavam conseguindo.
Oscar chegou a casa, guardou a picape na garagem, enxugou os pés no tapetinho amarelo e abriu a porta. O cheiro de água sanitária misturado com álcool logo inundou suas narinas. Susan deu um salto do sofá, seus 130kg divididos em pouco mais de 1 e 63 de altura fizeram as paredes tremer, a cabeleira loira, espichada até os ombros balançou como folhas ao vento. Ela espirrou álcool nos sapatos do marido.
- Tire os sapatos. Quantas vezes tenho que dizer?
- Querida, o chão foi feito para ser pisado. Caso o contrário flutuaríamos...
- Você pode pisar de meias. – borrifou mais do álcool pra cima de Oscar.
Ele já ia encostando os sapatos num canto perto da porta quando a mulher interrompeu, aflita.
-Oh, espere! Tire essas meias também, elas estão imundas! Você é um porco, eu me casei com um porco. Por que, Deus?
- Está chovendo, as coisas estão todas úmidas...
- Você vai infectar a casa, vamos adoecer e morrer. É isso que você quer?
Oscar tirou as meias. Susan saiu correndo pela casa com um tubo de veneno e um pano na mão, ela disse que alguns insetos haviam entrado e não escapariam vivos. Ele resolveu fazer um lanche enquanto vivia seu pesadelo por mais um dia. Voltar para casa já era um pesadelo e agora isso, estava desempregado e traído por Toni e Bernadete, aquela vadia; que olhos verdes enganosos ela tinha. Até o Sr. Marcone, o filho da puta que esteve ao seu lado durante quinze anos resolveu deixar a mascara cair.. Que vida de merda estava fadado a levar. Por um instante se imaginou na áfrica, metido num campo de refugiados em algum lugar do Quênia, mas isso não amenizou sua preocupação, só o fez afundar ainda mais na perversão do ser humano. Estava deprimido.
Não sabe ao certo quando ou porque a mulher ficara assim, com essa paranoia toda. Já faz uns dois anos que não tem paz dentro da própria casa com a mulher comendo e limpando sem parar. Fazer compras é um tormento, ele quase poderia alimentar o mundo todo com os gastos em mercado.
Não pode lembrar-se das crises de pânico e limpeza da mulher e da forma como ela quase morre quando estão juntos na rua, ou quando ela resolve ir ao mercado usando luvas e mascaras. E os teatros, os malditos teatros que ela faz quando se joga contra as paredes e bate com a cabeça no chão ao encontrar uma gota de mijo na borda da privada, ou quando ele derruba café na toalha da mesa, entre outras coisas... Peidar na cama com ela por perto então, nem pensar. Como se ela não peidasse enquanto dormia. Estava louca e hoje ia passar um bom tempo mais louca ainda, atrás dos insetos.
Depois de terminado o lanche, Oscar levou o prato até a sala, com todo cuidado para não ser visto, passou na ponta dos dedos sobre o tapete persa de Susan. O tapete era só mais um problema, uma mancha, uma cor a mais além dos traços próprios dele e a casa vinha a baixo e a mulher agonizaria a troco de nada, mais uma vez. Estava preste a ligar a TV para assistir as noticias do esporte quando Susan apareceu bufando, sua pele clara ficava vermelha com facilidade e os cabelos loiros pareciam até mais brancos quando ela estava com raiva.
- Seu miserável! O que é aquela mancha amarela na toalha da cozinha? E você está comendo aqui, em cima do meu sofá? Nem eu como no sofá, porque ODEIO isso.
- O sofá é nosso...
- Mais um motivo para você cuidar bem dele, seu porco nojento!
- Susan...
- Você não me ama, higiene é a única coisa que te peço, a única! Você não me ama!
Oscar levantou com o prato e o lanche e disse:
- Olha, amor... Não é melhor procurarmos um psiquiatra? Pode ser bom para você... Estou tendo um dia difícil e ainda tenho que chegar em casa e aguentar essa ladainha toda. VOCÊ ESTÁ ME MATANDO DIA APÓS DIA, SUSAN.
- O que? Está me chamando de louca? O louco aqui é você! Quem é que gosta de viver na imundice? Seu canalha, não tem respeito pela sua mulher?
Ele ia levando tudo para a cozinha, quando encarou o pequeno vaso de violetas que ficava junto ao telefone. Ouviu a mulher resmungando "dia difícil, mal sabe o que é dia difícil, esse pilantra." Ela tinha que acordar dessa doença por bem ou por mal. Ele sabia que ela pararia de gritar se derrubasse o vaso, ela teria mais uma crise de pânico e tão logo se acalmaria. Então esbarrou propositalmente no vaso. La se foi tudo de encontro ao piso branco e brilhante com cheiro de água sanitária. Terra, flores, vaso, prato, pão, presunto, queijo, mostarda tudo condensado numa poça colorida... Oscar agora encarava a expressão raivosa da mulher com um sorriso de canto. Expressão essa que foi murchando, desaparecendo como uma rosa no frio, indo ao encontro do arco-iris de sujeira formado no piso. O pânico tomou conta do rosto de Susan, ela calou. Começou a tremer e colocou as mãos no rosto. Oscar por fim, disse:
- Esses seus ataques de pânico não me enganam mais. Vamos querida, pare com isso, era só um vaso...
Susan não respondeu. Caiu de joelhos e em seguida desabou babando sobre o tapete persa, de 3.600 reais.
- Vamos lá, isso já foi longe demais. Você está babando a porra do tapete todo, querida. Não quer sujar seu tapete persa com saliva, quer? Os germes vão entrar pela sua boca, levanta daí meu amor.
- Aaaargh, aaaaaah, uuuuh – respondeu Susan apertando intercaladamente o peito e o pescoço
- Você precisa de ajuda. Entenda de uma vez... Se não for ajuda profissional, que seja divina. Ouviu? Espero que os deuses estejam ouvindo também...
- Aaaaaaargh, aaaaaarght
- Ora, foda-se. Fique aí então. Vou ao mercado comprar umas cervejas.
Voltou duas horas depois. Uma mosca caminhava tranquilamente sobre os lábios levemente arroxeados de Susan. Oscar pulou toda a sujeira e o corpo da mulher , deixou uma marca de barro no tapete e foi até a cozinha, abriu uma garrafa. A mosca agora passeava pela casa. Ele sentou-se no sofá. Soltou um peido, derrubou um pouco da cerveja, procurou na TV as noticias do esporte, mudou para um canal de filmes. O telefone tocou.
- Alô?
- Oscar Rocha, corretor?
- Ele mesmo.
- Sou Aline Quaresma da L&A corretora. Estamos aqui com uma recomendação, gostaríamos de contratá-lo de imediato.
- Oh, que ótimo, então para quando fica a entrevista?
- De imediato, senhor. Já estamos com o seu currículo e não será necessária entrevista.
- Mas isso é maravilhoso. Muito obrigado.
- Nos vemos amanhã de manhã, as 8:00. Até logo.
- Até logo.
As coisas pareciam começar a voltar ao normal, enquanto a mulher continuava deitada, feito uma colina enraizada no tapete. A mosca voltou a pousar em seu rosto, Susan nada fez. Agora Oscar estava ansioso pelo novo emprego, e também por conhecer Aline, que tinha uma voz adorável. Tudo o que ela falava parecia poesia. Ele então suspirou.
- Vamos meu bem, acabou a brincadeira! Ainda preciso te contar sobre o trabalho...
Susan nunca mais respondeu.
sábado, 2 de junho de 2012
Prepare seus ouvidos
quando meu celular tocou,
consegui alcança-lo
com muito custo
"ela me deixou" disse uma voz
"ela me deixou de novo,
aquela puta"
"foda-se" eu respondi e
desliguei.
virei-me para o outro lado
acomodando a cabeça no travesseiro
tentando fabricar um sonho bom e
o celular tocou novamente -
eu atendi
"não desligue, fale comigo!" era a mesma voz
"ela me deixou, cara"
num suspiro percebi que o dono da voz era Allan,
ele estava bebado demais e soluçava
"olha, todas elas se vão" eu disse
"você está com uma voz péssima, cara,
o que está fazendo?"
"estou tentando dormir"
"mas não desligue agora, eu vou morrer,
ela entrou no carro de outro e foi embora"
alguma música tocava ao fundo e eu podia ouvir
pessoas conversando.
"escute Allan, você está numa festa, arrume outra garota"
"eu vou morrer" começou a chorar
"compre outra cerveja então"
"oh, boa ideia"
ele desligou.
Allan precisava saber,
não importam as novas manhãs
nem as garrafas,
é adeus o que
mais vamos ouvir
durante toda a
vida
por fim fechei os olhos e dormi -
ao meu lado a velha ausência
que nunca se vai.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Eu canso de ver as bocas abrindo e fechando
de um maldito feriado prolongado e
me convenceram a sair de casa.
fomos parar em um sitio,
estava anoitecendo e chovia.
eu não me sentia animado o suficiente
e havia acabado de romper um relacionamento
turbulento ao ponto de me fazer querer ficar
entrincheirado por um ano.
alguém que já estava bêbado
repetia sem parar "você vai ao show com a gente"
"não tenho dinheiro" eu disse, "não arrumo emprego,
estou ficando sem dinheiro até pra cachaça"
"mas eu pago, você vai com a gente"
"ok" respondi, porque sabia que no dia seguinte
isso já não teria mais acontecido
estavamos todos sentados em uma mesa
conversando sobre coisas que eu
fingia interesse e um outro bêbado igual ao primeiro
contava sobre três garotas que ele não podia foder
por causa do amor pela namorada.
"mas elas querem, as três querem e eu também" ele dizia.
com o auxilio de uma garrafa de rum
eu ficava imaginando o quanto meus
próprios amigos me cansam e lutei
dentro da minha cabeça para tentar descobrir
o que há de errado comigo ou
com eles
o fato é que ainda
não descobri.
mas lá a batalha estava dura,
vomitei duas vezes sem abandonar o copo
e sentia minhas palavras e meus
ouvidos morrerem de fome e
frio enquanto se arrastavam por
pastagens e casas queimadas em meio a nevasca
como se fizessem parte do exercito de Napoleão ao
tentar domar a Rússia.
concentrei-me na garrafa
e logo retirei o que sobrou do exercito
para uma cama com um
colchão gasto,
solitário em meio as vozes.
eu sabia que assim
estaria bem,
pelo menos
até a hora de
despertar
sábado, 28 de abril de 2012
Versos para uma madrugada insone
por entre a iluminação alaranjada da rua
e não me sinto muito bem;
a novidade é que algumas raras vezes posso abrir a janela
para que ela entre cantando sua mais bonita
canção.
esse é o dia,
e eu mantenho o silêncio
pelas minhas próprias palavras tristes
e aperto o peito com as duas mãos
enquanto um cachorro late ao longe
desesperado e talvez
faminto
estou deitado com
minhas pernas envoltas em cobertas
e esse não é o mesmo frio
de anos atrás, nem as vozes são as
mesmas
"não é tão ruim quanto
podia ser", penso afinal.
apenas o cachorro ecoa
melancólico e tão longínquo quanto
flocos de neve
e
montanhas brancas
com cabanas feitas de
troncos de pinheiros
e um machado pendurado
ao lado do
sofá
e eu mantenho o silêncio
pelas minhas próprias palavras tristes,
mas hoje abri a janela para esse pouco de felicidade
caminhar por essa escuridão e
se aquecer também.
é que eu gosto de
me sentir curado as vezes
mesmo que essa cura
seja tão breve quanto
uma dose de rum.
existem dias que a alma de um homem
morto ou não,
precisa voar
acompanhar a correnteza
flutuar pelo azul,
inexorável.
domingo, 22 de abril de 2012
Você, Vinicius
Nesse lugar existem prédios ao redor de ti e muitas janelas, pessoas olham por cada uma delas. Essa gente não tem olhos, os rostos de todas elas apenas se transformaram num aglomerado de massa disforme, uma mistura de carne moída e filetes de pele. Você encara essas cabeças, essas carcaças quase desumanas. A atmosfera tem gosto de ferro, e o vento vem pesado como chumbo. Parece que não há diferenças entre aqui e aí.
O relógio não anda, os ponteiros estão enferrujados e sua sombra também parou no tempo, assim como as coisas que você tentou fazer e fracassou. Você desistiu de tudo o que queria, deixou, esqueceu, esquivou. Até o amor, o verdadeiro, você deixou escapar. Veja como você ama aquela garota, como ela é importante e como você a fez desaparecer, assim mesmo sem querer, mas o sem querer não justifica burrice, Vinicius. Ela tinha desligado a marcha fúnebre que nunca para de tocar em sua cabeça enquanto você vive, e o que foi que você fez? Estragou tudo, triturou isso como se fosse nada. Você se arrepende, você se contorce de dor quando deita na cama e pensa nisso, mergulha nessa dor condensada em delírios e sonhos. É claro que sente saudade e sabe que é só o começo. Voltar no tempo, você quer. Já é tarde, Vinicius. Parece que sua montanha era de areia, afinal, e virou um gigantesco deserto morto e seco, com esse vento que te levou até a consciência.
Agora tem um sol nascendo lá fora, não é visível porque o tempo está nublado. Também não faz diferença. Por mais amarelo e brilhante que ele esteja, você nunca vê cor, nunca vai ver. Você mal sabe o que veio fazer nesse planeta. Por que nasceu? Por que você? Por que assim? Não tem que saber. Agora tanto faz, Vinicius. Você volta pra esse mundo, feito uma alma penada. Alma afogada. O relógio está correndo, porque agora você está no mundo real, e tem um sol lá fora. Você está metido nisso, quer queira, quer não. Você não é um moleque, é um homem. Homens fazem coisas grandes e você está aí vivendo de mentiras, mentindo pra você, mentindo para essa nova moça que está ao seu lado, para esse compromisso que caiu do céu como uma bomba, fruto da sua cabeça defeituosa, da sua burrice. O que ela tem a ver com isso? Seus problemas são só seus, você não tem o direito de passar o seu sofrimento para os outros, mas não controla isso. Você faz um mundo de gente sofrer com você, sofrer do seu sofrimento. Você até pode gostar dela, mas sabe que não é da forma como ela espera. É por isso que você está estagnado, provando dessa coisa sem sal. Você já está morto. Só te falta uma lápide, Vinicius.
Você está enlouquecendo não é mesmo? Nunca vai escapar desse ciclo vicioso, não quer nem abrir a janela. Por que você levanta? Poupe-se. Esqueça a terapia. Esqueça o sistema, os bancos, as contas, o dinheiro, o trabalho, o sucesso, o fracasso e a merda do futebol e a politica também. Esqueça a loteria, os malditos shoppings e suas vitrines de bosta nenhuma, os automóveis. Os bares, as festas, o lixo da televisão e suas emissoras de merda, cus abertos em forma de satélite. Esqueça a internet, os video games, os lugares bonitos e os feios também porque as coisas boas são raras e não valem a pena quando está tudo colocado na balança. Esqueça a podridão, esqueça a fome mundial, a miséria, o amor, o ódio, o câncer e as doenças todas. Viver é uma doença maior, suprema. Mas você não pode, não vai esquecer da sua própria cabeça. Seu crânio comprimindo seu cérebro como se fosse uma morça dessas de bancada amassando um bolo de carne, uma mera bolota de sebo estourando em partículas minúsculas iguais a confetes. Você não dorme há dois dias, aqueles cochilos breves são quase piscadelas momentâneas. Não arruma emprego, nem encontra mais os amigos. Você é um lixo que não tem dinheiro nem para própria cachaça. Ta aí o seu resumo; e quem se importa? Foda-se, Vinicius, você não precisa aturar isso, nem assistir a humanidade se tornar radiotiva e caminhar cada vez mais fundo nesse buraco energético. Não precisa ver essas pessoas todas explodirem em ruína, não precisa sofrer de amor, tentar erguer alguma coisa que não quer ou carregar culpas, mesmo sendo responsável. Esqueça a Responsabilidade. Acabou, acabou, acabou, é o que pisca na sua cabeça e diante dos seus olhos agora. De fodido já basta você.
Ainda existe aquilo no guarda roupas, você sabe, essa merda recém adquirida, o fruto de uma pequena economia secreta, muito bem guardada. Por que não usa suas mãos para algo que presta pelo menos uma vez, Vinicius? Vamos lá, presenteia-te com essa dádiva. Pega essa coisa e segura firme, como se fosse seu coração e talvez seja mesmo. Carregue-a, não precisa mais que uma bala. Coloca isso na boca, encosta o cano bem no céu da boca até o gosto de metal se espalhar pela lingua, assim, aperta forte até fazer doer, até seus olhos de nuvem negra piscarem em sintonia com essa canção que não para. Você sabe o que é dor Vinicius, isso você conhece muito bem. Aperta esse gatilho Vinicius, não durma agora, aperta esse gatilho. Larga essa caneta, você não precisa escrever nada, uma despedida? Não, nem uma carta se quer. Guarde o discurso falido para o inferno. A única coisa que você precisa agora, é de um buraco do tamanho de uma laranja bem no meio da cabeça.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Poema pascal
estávamos na fila do caixa e enquanto carregávamos
nossas cervejas em caixas de papelão,
ele desviou o olhar para um ovo que havia sido abandonado
junto à uma bancada que sustentava
inúmeros vasilhames de plástico.
"sempre tive nojo da pascoa", ele disse
"por quê?", perguntei, mais interessado
na integridade das cervejas
"são esses ovos de chocolate, cara.
olhe o tamanho deles,
eu quando criança ficava imaginando
um coelho botando aquilo pelo cu,
aquele ânus pequenino no meio da penugem branca
desabrochando como uma flor.
um grande e gigantesco girassol de merda
expelindo um ovo gigante"
"HAHAHAHAHAHAHAHA", peguei um pacote de chicletes
e joguei dentro da caixa
nesse momento, uma mulher de olhos claros e cabelo caramelado,
bastante esbelta, com a bunda empinada e um vestido
vermelho, de renda,
uma dessas que vão ao mercado
como se subissem em uma passarela de moda,
sem saber que na verdade são a atração principal
da casa dos horrores, saiu da nossa frente tapando
as orelhas do filho e foi em direção a outra fila.
"é serio", Samuel continuou
"esse lixo devia ser proibido,
ainda bem que aprendemos: coelhos não botam ovos.
se não a coisa toda seria pior.
juro por Jesus, que vai morrer daqui dois dias,
que eu vomitava quando minha mãe colocava
um treco desses na minha frente."
"HAHAHAHAHAHAHA"
“eu só sentia que tinha que me salvar”, fez uma pausa para
alcançar um pacote de amendoim “eu sempre senti isso,
mas ninguém nunca se salva”, atirou o pacote dentro da caixa,
"nem disso, nem de nada nesse mundo. terrível essa existência."
"salvação só existe mesmo depois que a gente morre,
no enterro. e até lá, ainda podemos beber", eu disse,
tentando encerrar a conversa.
eu estava há muito tempo dentro do mercado, cercado de gente e
mais gente, suas vozes terríveis em minha cabeça,
seus corpos se enroscando nos corredores, calor e
aquele teatro mundano todo cheio de cores falsas,
o que me deprimia e aumentava minha sede.
essas são as pessoas e isso é o que elas fazem
comigo.
a vez de Samuel chegou e nos despedimos enquanto
ele jogava suas cervejas e o pacote de amendoim
para dentro da caixa outra vez.
voltei ao mercado mais tarde
e fiquei olhando para o túnel de ovos de pascoa
antes de correr novamente para a sessão
de bebidas.
o filho da puta
tinha razão,
me parece que por mais que me sinta,
não estou sozinho afinal.
a insanidade, as vísceras,
estão todas jogadas por aí
pelo ar, nos absurdos do mundo
e
nos ovos de pascoa
também
sexta-feira, 30 de março de 2012
Sarah rompeu o silêncio.
- Uma pessoa precisa de muitas coisas para que olhem bem pra ela, ou é simplesmente lixo.
- Eu sei, ela precisa ser estúpida o suficiente. O mundo exige muito disso.
- Você precisa se movimentar mais. Largar esse copo, sabe? Viver - ela disse enquanto pedia mais uma dose de conhaque com canela.
- Tem gente que só acha a vontade de viver depois que morre...
- Mas aí não é preciso achar mais nada, terminam-se as buscas.
- É por isso!
Naquele momento, brindamos a ruína e toda a merda que cercava nossas vidas empoeiradas, sujas e lamacentas. Uma sequência de fatos, a rotineira catástrofe humana e suas inutilidades e futilidades. Fome de alimento, fome de amor e dor; corpos fedorentos, podres por dentro. Brindamos ao homem como uma raça morta, e ao sono como única esperança.
- Que seja eterno, que seja eterno... - sussurramos, por fim.
A noite caía lá fora, e todo o resto caía também.
quarta-feira, 21 de março de 2012
Das coisas
das árvores contorcidas
em forma de monstro
da estrada cinza, da penumbra
no abismo
do seu sorriso,
do seu ódio paralelo
e de todo o arrependimento discreto
vou lembrar
minha vida sem luz
na coisa toda que é a existência
na ausencia do toque, do tato
vou lembrar que mesmo sem sorrisos
sorri por você uma vez,
duas, três vezes
e ainda, sem querer, desculpa
se falhei.
de quando te conheci
por pele, por corpo
por gente e nunca, jamais, quis
abandonar
era noite, eu sei
era quase isso e melhor
não podia ser.
do buraco e
da terra, das cinzas todas
que você jogou na minha cara,
minha mente humana sem sinal do real
vou lembrar
da sua existência pequena
tão grande para mim,
e eu formei tantos planos,
confiei sozinho e
paguei o preço.
das vezes tentadas,
e ganhadas.
das vezes perdidas por
orgulho de quem,
agora não importa
das salivas em combustão,
da rodoviaria suja que
não podia, em branco,
passar e ainda a presença quase oculta,
os abraços de alguém que
não pode julgar, culpar
de alguém que não terminou, mas
afogou, afoguei, matei em termos
por não querer, não resistir e
ainda, diria Cazuza,
nessas horas pega mal sofrer
do meu fim eterno,
dos fantasmas e
dos sorrisos
vou lembrar
desse poema segundo,
pois o primeiro só a mim (e a você)
pertence.
da sua ignorância latente, sim
porque existe essa marca qualquer em mim também
num desabamento continuo de letras,
palavras mornas e mortas e a maneira
como te amo, te amarei
vou lembrar
como um tigre lembra da presa
na seca, no mais fundo vazio
do espírito,
de você e de mim, se acabou assim
guria
vou lembrar.
quarta-feira, 7 de março de 2012
Você, Cesar
Seu nome é Cesar Costa Magno, mas com o passar dos anos a maioria resolveu te chamar de Cezinho. Você não sabe a origem do apelido, nem mesmo lembra quem ao certo o inventou, mas tem certeza que o odeia e nunca se viu em posição de recusa-lo, apenas para preservar seu autocontrole sobre sua personalidade insana e enlouquecedora. É só vez ou outra que ela desliza de seu interior para as luzes do mundo, geralmente em seus momentos mais solitários, pois não gosta de chamar a atenção, não suporta olhos presos em seus movimentos. Você prega a invisibilidade e é fadado a viver num mundo de aparências. Todos esses patifes e suas autogabações causam coisas dentro de ti; é a morte deles que você espera, que você quer provocar. Você vê futilidade em tudo, Cesar. Você não suporta superioridade ao seu redor, não quer sentir-se inferior de forma alguma, mas anda por aí com o fracasso rabiscado nas costas. Pode ser coisa do seu psicológico e até uma fraqueza maior entre todas as suas fraquezas ou simples capricho do seu eu maléfico. E que palavra forte essa, você pensa, mas entende que todos necessitam de coisas más e boas para chegar ao autoconhecimento, e você fala disso como um professor. Autoconhecimento você já teve o suficiente e sabe que não vai mudar.
Você está assistindo um filme agora. Deitada ao seu lado se encontra sua nova namorada, com os braços ela parece dar um nó em seu tronco. Você sente calor, mas a garota quer estar sempre próxima e ela sorri uma porção de vezes também. O nome dela é Pâmela e ela acredita nos seus falsos sorrisos, Cesar. Você tem a sua certeza de que nunca ou raramente vale a pena sorrir verdadeiramente. Nunca se sentiu capaz de esboçar sorrisos aos ventos e a maioria faz isso. Você sempre se pergunta: Por quê? Você não sabe e continua odiando com todas as forças os sorrisos em excesso. Também não está acostumado com os relacionamentos e nem deve. Você sabe que no fim, pouco importa a diferença em suas expressões de felicidade, ou a maneira com que te olham e até mesmo seus perfumes exalando de suas peles suaves e incomparáveis. Uma mulher sempre está pronta para ir embora, para cavar seu tumulo e te jogar lá dentro. A pergunta incansável que vem até sua cabeça é: Quantos túmulos teria de ter até a morte? Você não pode dizer uma quantidade exata, mas pode torna-los mínimos. Relacionamentos quando não são cansativos, são passageiros e vice-versa, ou ambos.
Pâmela tem amigos que você odeia sem nem mesmo os conhecer. Não há nada a ser feito perante isso, e você aceita os fatos, mas não confia plenamente na mulher e acha que nunca vai confiar. Tem sempre uma pontada em seu cérebro, uma coisa que quer inibir seu sistema respiratório e te incinerar por dentro como um cadáver no crematório. Pâmela também ficou amiga de Tomás, de uma hora para outra. Na verdade foi Tomás quem a procurou, o que te deixa mais irritado e cheio de ódio que qualquer outra vez em sua vida. E não é só por isso, você sabe que não é a primeira vez que Tomás vai atrás de uma mulher sua.
Tomás tem todo o jeito de modelo, com suas malditas tatuagens, ao contrário do seu, desengonçado e magricelo. Você sabe que não tem inveja, inveja é uma coisa muito baixa, você só admira o podre e quer acabar com o belo, também não é só isso, outros dos seus ódios são essas pessoas que falam muito para o pouco que fazem, ele é assim. Sua implicância perante Tomás e todas as coisas que ele faz só aumenta. A mania de aparecer em todos os lugares que ele tem, seu rosto bonito desafiando sua vontade de destruir coisas belas, Cesar. Aquela mania dele, de querer parecer malvado nas redes sociais, mesmo distribuindo bondade por todas as frestas do corpo. Parece mesmo que agora é moda ser mal na internet, você pensa. E bancar o revolucionário também. Imagens sobre a politica são tão inúteis quanto os balbucios de um padre numa igreja, porra. Tudo o que ele faz te causa náuseas de ódio, todas essas coisas estúpidas que acabam vindo dele, com aquele corpo enfeitado. Todos ao redor achando isso uma maravilha, aplaudindo a falsa moral e aquelas atitudes todas que nada condizem com as palavras que saem da boca, inclusive Pâmela. Isso te leva á loucura, te leva ao mais profundo abismo da raiva. Pâmela nunca perceberá, e isso nunca te deixa em paz, não sai da cabeça. Ele ainda se faz de seu amigo, Cesar, e você ri. Ri por fora, mata por dentro. É você se escondendo mais uma vez, tapando suas feridas na escuridão do seu espirito em desespero, da sua vontade translúcida de acabar com toda essa palhaçada. Reconhecimento desmerecido para os vermes é o que mais existe no planeta e isso paira bem no fundo do seu encéfalo agora.
O filme já está no final e você o passou navegando em sua consciência. Pâmela em seus braços, seus pensamentos naufragando na realidade. A TV, os rostos carregados de morte, a rotina, o trabalho que nunca basta, o planeta transformado em máquina, a chaga recente que aquela outra mulher lhe causou que nunca cicatriza. Tanto para odiar, pouco para amar é o que resume a sua vida. Você vê com antecedência as coisas boas tomarem distancia e dissiparem na atmosfera. Você sente que tudo te deixa para trás e agora até seus poemas que nunca serão reconhecidos resolveram fugir, Cesar.