terça-feira, 21 de setembro de 2010

Eu estava num boteco, bebado demais para voltar pra casa.
Todos naquele maldito lugar eram bastardos para o mundo, com seus olhos cansados, dentes em falta e suas mãos calejadas. Todos ali estavam morrendo, cada qual da sua maneira. Solidão. Dinheiro. Dividas. Cigarros. Porres e mais Porres. Seres humanos.
Se bebo demais, falo demais. Debruçado sobre o balcão, tentava forçar um dialogo comigo mesmo:
- Céus, tantas formas para se morrer, tantas coisas para te matar e você foi escolher logo o amor...

domingo, 12 de setembro de 2010

A noite estava quente, mas um certo frio resolvia aparecer hora ou outra entre as paredes e os moveis, devido a sombra escura de solidão que se plantava ao meu lado, sob a luz do quarto. A graça do frio consiste em se aquecer de alguma forma, mas quando você sente frio em pleno calor, as coisas costumam ficar complicadas, e eu sabia disso por outras tantas estações.
Isabela é a pessoa mais pura que eu conheço, quero fazer por ela, o que nunca serei capaz de fazer por mim. Não sei porque mas tento ao máximo não demonstrar, deve ser esse meu jeito seco de viver que me faz agir assim, mas nunca faço por mal, espero que ela saiba disso.
Naquela mesma noite, quando me ligou, eu estava bêbado e não queria conversar, o problema é que Isabela sabia como ter minha atenção:
- Ei. Disse ela com aquela voz preguiçosa e realmente anestesiante para os meus ouvidos.
- Isa, não é um bom momento. Tentei disfarçar a voz de cachaceiro ambulante.
- Você ta bêbado, filha da puta.
- Não, digamos que bebi um pouco...
- Pouco? Pouco nada, não conversei com você sobre a bebida?
- É, conversou, mas ela é uma boa amiga. Gargalhei e acendi um cigarro
- Por que você faz isso com você mesmo?
- Comigo mesmo? Ora, quem sou eu? - Houve um silencio por parte dela e eu continuei - Sou um cara bêbado, que ainda assim consegue ser são o suficiente para enxergar todas as porcarias que existem nesse mundo.
- Só queria que você se cuidasse um pouco... Desligou sem dizer mais nenhuma palavra.
Sempre odiei aquele barulhinho que faz o telefone quando não tem ninguém na linha. Achei que era o momento de me servir de mais uma dose do rum, a garrafa parecia me chamar. Foi o que fiz.
Eu tenho que proteger Isabela. Ao mesmo tempo em que não quero que ela desperdice seu tempo comigo, quero sua atenção e carinho. É estranho.
Eu posso compara-la com algum tipo de droga mas ela não é como uma, longe disso. É uma parte de mim, um órgão vital.
A cada dia que passo vivendo nesse globo de mentiras, fico mais crente de que felicidade é apenas uma ilusão criada por todas essas coisas ruins e tristes que nos rodeiam.
Isabela não concorda, esta presa a muito tempo numa dessas ilusões. De certa forma deve ser bom ficar preso por muito tempo nisso, mas isso é algo que nunca vou de fato saber.
Não existe prazer em ser sozinho. Não existe prazer nessas coisas.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

3º andar

Algumas pernas ziguezagueantes andam apressadas pela rua, todas tentando fugir da chuva fina que começa a cair. O casal tão a vontade e aquecido trocando palavras de amor em forma de sorrisos, comendo alguma coisa no terraço coberto da cafeteria. O menino que passa correndo com o cachorro entre os braços. A moça de vestido vermelho entrando as pressas num táxi. Eu, na janela do prédio vendo tudo através das imagens abstratas sutilmente desenhadas pela fumaça do cigarro. São coisas simples que nunca me pertenceram de fato.
Quando me sobra um tempo, sempre fico a observar e não canso de perguntar a mim mesmo se um dia vou saber levar a vida como deveria, se um dia realmente vou viver.
Todo esse céu cinza de manhã chuvosa, de alguma forma me alegra, mesmo que também me de uma saudade de não sei o que.
O telefone toca e me da um susto, ela invade e conforta meus ouvidos com sua voz macia e preguiçosa:
- Amor espera que eu to chegando, essa chuva me atrasou.
- Eu espero, espero...

domingo, 5 de setembro de 2010

O que pensa R ?

- Chuta garoto, chuta! -gritava o pai desesperado na arquibancada.
R olhou com o canto dos olhos, olhos visivelmente saturados. Chutou como pediu seu pai, mas caprichosamente fez com que a bola fosse direto na cara do juiz. Gargalhadas dominaram sua expressão de indiferença, tirou a camiseta do uniforme e dirigiu-se para fora do gramado resmungando:
- Merda, tudo isso é merda, nunca gostei de futebol.
O juiz veio logo atrás com um cartão na mão, o qual ele nem se importou em ver a cor.
- Enfia no cu esse cartão - exclamou R -não vou mais jogar nesse lixo. Continuou seu caminho, sem reparar nos insultos dos colegas do time, que descontrolados e indignados xingavam sem parar.
O pai, pendurado na grade da arquibancada estava desesperado:
- Mas o que esta fazendo rapaz? Venha já pra , vou te dar um corretivo!
R não respondeu, apenas deixou o campo, montou em sua bicicleta enferrujada e partiu em direção a casa. Seus pais eram separados, ele pouco se importava com o pai. "Quem é esse cara? Mal me conhece e quer interferir na minha forma de pensar" pensava R. Ele tinha 19 anos, nunca foi de fazer muitos amigos, mas sabia dar valor aos poucos que tinha mesmo esses não entendendo sua forma peculiar (e correta) de ver as coisas. Namoradas também teve poucas, não gostava daquelas vadias que se aproximavam por interesse material, nem de ir em festas e se esbaldar com 20 garotas na noite, sempre quis uma única que nunca teve ou pelo menos nunca encontrou.
A mãe estranhou a chegada precoce do filho:
- você não tinha jogo?
- Tinha mas joguei apenas 10 minutos.
- Como assim?
- Nunca quis jogar, nunca quis agradar o pai.
A mãe tentou continuar a conversa, sem sucesso. R subiu as escadas correndo e se trancou no quarto, essa era a única forma com que ele se sentia em casa, em seu próprio mundo, completamente livre de todas as visões perturbadoras, que sem querer tinha. Tentou escrever alguma coisa, como habitualmente fazia, mas as palavras presas em sua cabeça pareciam ter pernas, pareciam correr, fugir da ponta do lápis velho e gasto pelo tempo. Ele parou uns instantes para pensar, andou feito um fantasma pelo quarto, deitou na cama, levantou e abriu a janela. Dela podia ver as pessoas que passavam e ouvir cada uma das conversas fúteis que essas tinham. "Quem foi que fez você assim? Quem?" perguntava para o nada.
O celular tocou, era seu pai:
- Filho, vamos conversar... O que foi que aconteceu hoje?
O pai sempre tentou uma amizade forçada.
- Nada... Pai. Respondeu R.
- Como nada? O que falta pra você? O que te impede de ser um jovem normal?
R riu por alguns segundos
- Sabe cara, não falta nada, o que acontece é que o normal de hoje em dia é o podre da humanidade e o que mais você tem para me oferecer a não ser dinheiro?
O pai tentou argumentar, R interrompeu:
- Não fale nada! Não quero seu dinheiro e nem sei se preciso do seu carinho, se é que você tem, apenas vivo arrependido de uma coisa que não fiz por querer... Nascer.
Desligou. Após o curto dialogo, R foi até a cozinha buscar gelo, voltou para o quarto, acendeu um cigarro, retirou de dentro do guarda roupa uma garrafa de vodka barata que sempre mantinha escondida ali, preparou um, dois, três, quatro copos. Da garrafa sobrou um fundo mínimo de liquido. Ele gostava de estar bêbado. Bêbado e livre, gostava de deitar enquanto a luz do quarto girava diante de seus olhos, enquanto não sentia mais nada, a não ser o álcool por toda parte do corpo.
Adormeceu ali, jogado e livre de todas as coisas escrotas que tinha conhecimento, de todo o sofrimento alheio que era forçado a ver diariamente pela janela do ônibus ou nas paginas dos jornais. Dormiu como desejava, a única tristeza que sentiu antes de adormecer é que em breve teria que acordar mais uma vez.
Olhar pra todas essas coisas e fingir que tudo esta normal, me consome, me distorce de tal forma que cheguei ao ponto de inventar o que não existe. Uns desconhecidos ali, uns amigos pra lá, um amor aqui e esperança em todo lugar.
A cada dia que passa, me perco mais no menos que eu quero.